sexta-feira, 7 de maio de 2010

Torcer

Talvez um dos aspectos que mais me fascinem no futebol é o que acontece fora de campo, que pode influenciar ou não no que ocorre dentro das quatro linhas – isso pode ser tema de outro artigo, inclusive – e do qual podemos participar, ativamente ou não, por pouco mais de 90 minutos, até que o estádio se cale e retornemos para nossas respectivas casas, ouvindo no carro os prognósticos do jogo. Falo da Torcida, dos Torcedores, e do “Torcer”, quase como um subjetivo próprio, por isso os “t” maiúsculos.

Agenor vai ao jogo, grita, esperneia, rói as unhas, xinga a mãe do árbitro e do artilheiro da equipe que naquele jogo ainda não guardou o seu; no trabalho, no entanto, é tímido, quieto, e o mais educado do mundo, sendo incapaz até de soltar um “porra” quando algo dá errado.

Alexandre, por outro lado, é o mais agitado do mundo, não para de falar um segundo sequer, zoa tudo e todos, brinca com todas as situações. Ao entrar no estádio, porém, guarda tudo pra si, comemora os gols com tímidos soquinhos pro ar, não canta as músicas da torcida...É praticamente um novo homem, irreconhecível. Como se naqueles minutos em que a bola está em jogo, seu pensamento estivesse na pele daquele jogador que muitos chamariam de sem sangue, por não transparecer as emoções.

Ricardo bebe uma garrafa d´água, no máximo, no máximo, um refrigerante em lata, porque é totalmente adepto do estilo mais regrado possível. Executivo, anda sempre bem vestido. Se pudesse, não abandonava o social nem pra ir à praia. Quando pega o metrô, no entanto, que diferença. Une-se aos milhares de torcedores indo pro jogo, e não resiste quando o ambulante oferece “3 latinhas por 5, patrão, lá dentro é mais caro.” A partir daí, que mudança! Passa a comer inclusive aquele “chugatinho” vendido do lado de fora, bota faixa na cabeça, grita que seu time é o melhor do mundo. Sua mulher jamais reconheceria o marido, em um dia qualquer que não o domingo a tarde.

Que diferença! Aliás, que diferenças? Mas...francamente, quem não se reconheceu em um desses tipos ideais citados? Quem não viu seu amigo de arquibancada ali, nesses três estilos, ou em outros que não citei?

Alguns historiadores conservadores, costumam ter um certo preconceito com o aspecto cultural das sociedades. Ignoram o quanto isso pode ser fundamental para definir um povo, e o quanto os hábitos se tornam definidores. No Brasil, entretanto, essa prática do “torcer” é tão fundamental!

Domingo de sol, você já comprou o ingresso, mas seu amigo não. Então, tem que chegar cedo no palco. Fila, confusão, empurra-empurra (estamos no Brasil, camaradas!). É hora daquela cervejinha, de escutar o rádio atentamente, com os prognósticos pro jogão que se avizinha. Ali, nos arredores daquele cimento tão morto agora, mas tão vivo nas próximas horas, a galera chega. O burburinho aumenta, e com isso, seu coração passa a bater mais forte. Alguém, no meio da multidão, puxa um cântico. Você não resiste, vai no embalo. Os pelos do braço ficam arrepiados e você nem percebe. Quer extravasar esse sentimento. Entra no estádio.

Lá dentro, ao subir as rampas, vê as primeiras bandeiras, o barulho da bateria. Sorri, instintivamente, você tá em casa! A sua casa. Olha em volta, vê aquela enormidade que para alguns nada significa e pra ti, pra ti é sua religião. A cadeira, verde, amarela, branca, num instante, se torna o seu sofá. E volta a cantar, solta o grito dos pulmões. Abraça um, que até 10 minutos atrás era um desconhecido.

O estádio encheu. Agora, a multidão palpita. Entraram em campo. Seus onze guerreiros, são eles. Eles que vergam a camisa mais bonita do mundo, a do seu time. Sinalizadores, você grita o nome de cada um. Porra, eles são você. Você está neles. Começou, o juiz não dá a falta, xingamentos, será que hoje dá? Bola na área, o zagueiro sobe e não acha nada. Gol. Seu gol. Você quem fez, ainda que involuntariamente.

Abraços efusivos, após alguns segundos, poucos, o barulho se torna ensurdecedor. Os rivais, se calam. Passa o tempo, você vaia, olha pro relógio, “faltam 10”, grita. Agora, 5. Falta pro adversário. Levantam as mãos, em uníssono. A bola vai pra fora. O juiz apita. Acabou. A vitória é sua, e de toda aquela gente. Agora, corre pra casa, pra ver as mesas redondas, ler as notícias, o que seu ídolo falou.

Amanhã, na segunda, pode até ter esquecido que menos de 24 horas atrás, estava ensandecido, alucinado, tem contas a pagar! Problemas, estresse, tem prova no dia seguinte. Ah, se só houvesse domingos...

Torcer pra um time de coração envolve milhões de coisas: relações de parentesco – se esse hábito foi passado de avô para pai, e deste para o filho - de fidelidade – uma vez que ao torcer, faz-se uma escolha que durará para uma vida inteira, de civilidade – pois devemos aprender a ganhar e perder. Enfim, são múltiplas experiências adquiridas através do simples ato de se dirigir a um estádio.

Simples? Não poderia cometer um atentado maior aos amantes desse esporte. Por que o Dunga não leva o Neymar? O Gaúcho só faz besteira, como pode estar treinando o Vascão? E o Pet, reserva, do Vinicius Pacheco? Futebol, futebol.

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