quinta-feira, 24 de junho de 2010

Manifesto em favor de uma arbitragem da inteligência

'O videotaipe é burro', dizia, com toda a razão, Nelson Rodrigues. O videotaipe é burro porque a lógica do vídeo difere, em nível fundamental, da lógica do jogo: o vídeo ao retirar a jogada seu contexto, descontextualiza o lance, tira o lance da jogada, e a jogada do jogo, do momento. À guisa de exemplo, pode-se comparar o videotaipe do gol de barriga- o video de um gol feito ao acaso- com o gol de barriga em seu contexto, no momento de execução, no final do segundo tempo? Da mesma sorte, o videotaipe torna um lance comum, e às vezes até um jogador comum, em jogador espetacular, basta lembrar da contratação de Horácio Peralta com status de craque pelo Flamengo, via DVD.

O uso do videotaipe é defendido, em todo o momento, pelos jornalistas defensores da imparcialidade, 'idiotas da objetividade', o recurso do videotaipe para análise dos lances capitais. Os lances são objetivos, verdadeiros, reais, impossíveis de se constestar. Um impedimento é um impedimento. Uma falta é uma falta. Um cartão vermelho é um cartão vermelho. A regra, no limite, é clara. O videotaipe, puro e simples, é a prova da regra, aquele que elimina a dúvida, sublima a margem. Mas será, de fato, assim?

Ora, o árbitro, não à toa, veste-se de preto, por excelência, ele é o 'neutro', o 'imparcial', o 'mediador'. Tem de ser assim, mas, por isso, deve permanecer alheio à lógica do jogo? Ao contrário, penso que o árbitro deve ser um camaleão, imiscuir por dentro do jogo, compreendê-lo, para posteriormente, regulá-lo.

Tivemos hoje um impedimento milimétrico que eliminou a Itália. O bandeira inglês 'viu' e apitou. Impedimento. Por azar, acertou. Mas poderia ter errado. Seguiu 'a letra fria da lei': dois milimetros da unha à frente da zaga, portanto, impedimento, mas acertou? Penso que não. Penso, senhores, que o bandeira foi burro, foi um 'idiota da objetividade'. Mesmo que tivesse visto Quagliarella à frente da zaga eslovena, ele não podia, não devia, não ousaria anular aquele gol. Mas anulou. E foi aplaudido. Ao contrário dos idiotas da objetividade, amigos, quero dizer que o árbitro assim como o videotaipe foi burro, porque foi pretensamente objetivo em uma questão que se deveria assumir como explicitamente subjetiva. Não estou 'sendo torcedor', muito pelo contrário. Eu queria que a Itália fosse para casa o mais rápido possível. Que bom, assim, que o bandeira anulou o gol de Quagliarella. Mas terá sido correta a atitude? Claro que não! O lance, visto em videotaipe, como objeto isolado em laboratório em que se comprava se estava impedido ou não, dá razão ao árbitro. Ele, portanto, viu o lance. Mas não compreendeu o desenrolar do jogo; viu o lance (o que é bastante discutível se ele viu ou não), mas não viu o jogo.

Uma arbitragem para ser objetiva tem de se assumir como explicitamente subjetiva, para que, ao compreender a lógica do jogo, interprete os lances de limiaridade, de dúvida, de fronteira como subjetivos, de acordos com o desenrolar do jogo. Um pênalti no Brasil não é igual um pênalti na Inglaterra, o que é percebido claramente pelos mass media, tanto que o jornalista Mauro Cézar, criou a tal 'da Liga anti-penalti à brasileira'. Ora, se existe o pênalti à brasileira, o pênalti à inglesa, na equação futebolística 'um pênalti não é igual a pênalti'. Se isso é percebido, por que não é incorporado explicitamente? Por que o futebol tem operar segundo a lógica do sim e a lógica do não? O videotaipe é burro; a objetividade é burra, a arbitragem se torna burra na medida que se quer objetiva e milimétrica. Uma arbitragem que desejar fugir da idiotia da objetividade, tem de se assumir como subjetiva, tem de incorporar 'o jogo ao apito'. Deixa, assim, de ser burra, tornando-se, imediatamente, inteligente.

Urge que tenhamos uma arbitragem inteligente no futebol mundial. E é para ontem.

Um comentário:

  1. Discordo por completo. Não pode haver níveis diferentes de arbitragem. Penalti no Brasil é igual penalti no Zimbábue. Não se pode deixar o contexto falar mais alto que a lei do jogo. A lei só se aplica quando convém? Porra, é absurdo.

    E o bandeira mandou muito bem anulando o gol do Quagliarela. Impedimento é impedimento. Se viu, marca. É assim que tem q ser. Pra q não haja injustiças além daquelas comuns no futebol.

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