domingo, 27 de junho de 2010

Dos dilemas do futebol globalizado.

“O futebol é um jogo simples. 22 homens caçam a bola durante noventa minutos. E no final, devo dizer, os alemães sempre vencem”, Gary Lineker, artilheiro da Copa de 1986.


Verdade que desde 1954 a Alemanha no futebol mundial tem construído uma história de sucesso. Verdade que, a despeito de toda a soberba, a Inglaterra fez muito pouco desde 1966. À exceção do time comando por Lineker e Gazza em 1990, a Inglaterra tem penado para obter bons resultados, quiçá títulos. A questão basilar é a seguinte: como uma nação apaixonada por futebol (talvez a mais apaixonada no mundo) não conseguiu em cinquenta anos de futebol espetáculo montar times minimamente competitivos em relação às demais potências européias, tendo colecionado fracassos em Copas do Mundo e em Eurocopas, ao passo que seu 'rival' antitético, a Alemanha tem logrado êxito sucessivo em todas as competições. É preciso, assim, construir uma análise que escape à reprodução de estereótipos do tipo que caracteriza o futebol alemão comno essencialmente 'tático', o futebol da força, mas que seja fundamentada na análise do desenvolvimento histórico do futebol alemão, da gênese de suas equipes e no modo organizacional do futebol no país germânico. À guisa de análise, vale a pena refletir se existe (ou não) relação entre o sucesso futebolístico internacional (em termos mundiais) e a estrutura organizacional do campeonato nacional.
Embora a Premier League seja considerada a 'mais rica do mundo' e tenha obtido sucesso elevado em competições internacionais, tendo o Manchester United e o Chelsea realizado uma final 'inglesa' há dois anos atrás na Champions League, os seus problemas são públicos e notórios, notadamente, vem à baila, o 'elevado preço dos ingressos', que excluiu grande parcela dos torcedores dos estátidos. O elevado preço dos ingresso fez com que a média de idade dos torcedores se elevasse em nível nunca antes vistos, o torcedor-padrão da Premier hoje tem em média 45 anos. De toda a forma, embora o lado negro da Premier League permaneça oculto nos mass media que quase sempre preferem enfatizar o 'sucesso' no combate ao 'hooliganismo' por Margaret Thatcher valorizando o conceito de 'platéia' do torcedor como espectador ao invés do torcedor como torcedor. Nesse sentido, o elogio à Premier, o moderno, é, necessariamente, a crítica ao futebol-brasileiro, que representa em pólo oposto, o atraso, 'o semi-feudal'. Neste tipo de análise, por um lado, a Premier obteve sucesso dado ao seu elevado nível de organização fundamentalmente burocrático e capitalista, por outro, o campeonato brasileiro entrou em crise dado que às relações pessoais estruturam e ordenam o pensamento dos 'dirigentes de futebol' (os cartolas) fazem com que o campeonato brasileiro não consiga 'ir para frente', não seja capaz de 'se organizar'.

De toda a forma, em período de Copa do Mundo, a explicação necessária e lógica que se tem ao vermos seleções historicamente fortes como a Itália e a Inglaterra, caírem de uma forma relativamente patética (mais no caso da Itália), a explicação que vem à mente dos mass media é o imediatismo: 'O futebol europeu está repleto de estrangeiros, não existe mais a identidade do clube com a nação'. O problema é que afirmada a quatro ventos, como uma questão aparentemente nova específica e exclusiva do futebol de espetáculo. O problema, no entanto, é que a circulação de jogadores, embora atualmente elevada a níveis nunca dantes vistos nos últimos vinte anos, sempre configurou-se como realidade, principalmente, no caso inglês. A Liga Inglesa, em certo sentido, configurou-se como uma espécie de Liga da Grã-Bretanha, desde sua gênese, dado que os escoceses, irlandeses e norte-irlandeses sempre foram constante presença na Primeira Divisão da Football League.

O famoso time do Manchester United, campeão europeu em 68, tinha um trio de ouro que contava com dois britânicos, Dennis Law, escocês, e George Best, norte-irlandês, além de, é claro, Bobby Charlton, inglês. O famoso time do Liverpool dos anos 70, tinha como principal referência Kenny Dalglish, outro escocês. Além do que no distante ano de 1983, o Liverpool foi o primeiro time a jogar uma final de FA Cup sem um inglês no esquadrão principal, tendo vencido o Everton, de Ardilles, por 3 a 1. O futebol italiano, de forma idêntica, sempre contou com alto indice de estrangeiros, mais do que isso logrou êxito na cooptação de jogadores à sua esquadra principal. Na estória dos campeonatos mundiais, a Itália sempre foi campeã com alguns jogadores naturalizados (em 1934-38, era clara a presença dos oriundi, ao passo, em 1982, Gentile nasceu na África, e, em 2006, Camorenesi, como sabemos, é argentino).

Uma questão, porém, parece-me central e penso que isso tem a ver com a própria natureza do futebol inglês, como contraponto ao futebol italiano e ao futebol alemão.


O futebol inglês tem, por natureza, uma estrutura centrifuga, que embora tenha sofrido alterações nos últimos vinte anos, notamos no quadro selecionado uma gama de times não vista em nenhuma outra seleção cujo campeonato seja um dos principais do mundo. (Espanha, Itália, Inglaterra e Alemanha)

O Kaiserslautern de Fritz Walter formou a base do time campeão; nos anos 1970, o Bayern de Beckenbauer e Müller e, mesmo em 1990, numa seleção mais dispersa compartivamente, Klismann, Brehme e Mathaus formaram uma sorte de trio de ouro na Internazionale de Milão.


Em contraponto à seleção alemã, cuja espinha dorsal atuou/a e/ou foi formada no Bayern München, o time da Inglaterra é, literalmente, uma 'colcha de retalhos'. David James joga no Porstmouth; Defoe, Spurs; Upson, no West Ham; Garreth Barry, no City; Millner no glorioso Aston Villa; Rooney no Manchester United; Glen Jonhson e Gerrard, no Liverpool; Terry, Cole e Lampard, no Chelsea. A diferença é notável no caso alemão, quando oito jogadores da Seleção alemã (quase meio time) pertencem ao Bayern München, sem falar de Lukas Podolski, que embora atue no FC Kologne, defendeu por muito tempo o time da Baviera, além, é claro, de Ballack, lesionado, e de Tony Kroos, reserva, mas emprestado pelo Bayern ao Bayer.

Historicamente, tem sido assim. Enquanto a Inglaterra 'cata jogadores de diversos clubes' para formar um selecionado, a Alemanha encontrou no seu país times fortes que serven como base para a formação de uma seleção vitoriosa e competitiva. Neste sentido, embora de forma acentuada, isso tem muito pouco a ver, creio eu, com os dilemas do futebol globalizado, 'com o excessivo número de estrangeiros em cada time', mas com a dinâmica local do campeonato local. Verdade que na Inglaterra observamos uma concentração de poder nunca antes vista (o 'big four'), mesmo assim, uma concentração dispersiva, que engloba, aí sim, os dilemas do futebol globalizado em seu bojo.

A questão do selecionado, porém, tem a ver com a dinâmica histórica dos locais, ora centrífugos, no caso da Inglaterra, ora centrípetos, no caso da Alemanha. Dinâmica do campeonato local, aliás, que tem a ver com a própria dinâmica histórica de cada nação. Mas isso, porém, é uma outra conversa... E bom, agora vai começar Argentina e México.

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